domingo, 4 de novembro de 2007

“Espelho, espelho meu!”

As pupilas absolutamente dilatadas. Seria lascívia? Medo? Instinto? Um homem assistindo ao seu próprio delito. O flagrante pessoal. O reflexo do espelho, encaixado sabiamente no teto do viaduto abarrotado de veículos, gente e vozes; não escondia a ação às escondidas. O homem, que não entendia vida afora a sua, encontrava-se epifanicamente estático diante do espelho e de sua corrupção. Com as mãos fortes e determinadas, ele calava angustiadamente sua vítima; que passaria a vida no silêncio medonho daquele crime. O espelho expunha sua corrupção moral. Seus olhos delineavam sua corrupção coletiva. Corromper e ver. A vergonha o consumia com raios de luz a atravessarem seu coração.
Esse espelho existe particularmente em um canto de Curitiba. Mas deveria ser o instrumento básico e essencial de todo o ser humano.
Obviamente, andar por aí instalando aparelhos refletores a fim de esclarecer às obscuras mentes, que corrompem, sobre os seus “desvios” sociais, não seria viável, materialmente falando. Por outro lado, refiro-me a espelhos da era tecnológica mais avançada: virtuais e que podem funcionar em dias de chuva sem que precisemos cobri-los devido aos raios assustadores das precipitações de verão. Espelhos internamente instalados no consciente humano e bem polidos, que devem ser lavrados a partir de ensinamentos sociais correspondentes às posturas morais corretas da sociedade.
Somando-se à moderna existência de um espelho acusador das más atitudes particulares – pois, anomalias sociais, como a corrupção, por exemplo, são fruto de uma série de atitudes particulares que resultam em danos coletivos dos mais variados – devemos lembrar que a construção dessa metáfora permeia a sociedade ideal platônica, em que, mais que platonismo, mostra uma forma eficaz de erguer espelhos nos cidadãos: a educação.
Com isso, estende-se à escola, aos pais, aos tios, aos avós, aos amigos, à Igreja, entre outros, a responsabilidade em solidificar um espelho no “teto” de cada cidadão que compõe a sociedade; com o objetivo de que desculpas tão corruptas quanto os próprios atos ilícitos (lascívia, medo, instinto...) se transforme em vergonha para o corrompedor e livre as vítimas da mudez sórdida – um dos traumas da corrupção. Cabe aqui dizer que, ao contrário do que os noticiários expõem, não é a Câmara dos Deputados que deve ensinar a construir refletores, e sim, os eleitores, educados, que devem votar em quem já construiu seus espelhos. Aliás, alguém já reparou que não há espelhos no Plenário?
Para concluir, é preciso remeter novamente ao viaduto, a fim de que não nos esqueçamos de olhar nossos olhos quando desculpas parecerem verdadeiras o bastante para respaldarem a nossa falta de moralidade e a não construção de nossos reflexos – os nossos espelhos. Agora, se achar que tudo isso é utopia, pense nos locais onde se encontram, em tese, as escabrosas denúncias de desvio público de dinheiro, agrupamentos partidários nepóticos e predatórios, andanças de malas, mochilas, laranjas e outras frutas; no Senado, por exemplo: alguém viu um espelho? – nem real, nem virtual! Há espelhos na sala do delegado? Existem espelhos nas salas de prova da quinta série? Acaso ou falta de educação?